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Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência.” *Kal Marx “os comunistas nunca devem perder de vista a unidade da organização sindical. (Isto porque) a única fonte de força dos escravos assalariados de nossa civilização, oprimidos, subjugados e abatidos pelo trabalho, é a sua união, sua organização e solidariedade” *Lenin

sexta-feira, 8 de março de 2024

Março das Mulheres | Conheça a verdadeira história do 8 de março

 

O 8 de março a LUTA das mulheres como identidade de classe e muitos sentimentos de pertencimento. Como afirma que a origem da data foi propositalmente dissociada da luta das trabalhadoras da União Soviética.

Fonte:
Brasil de Fato


Todos os anos, divulga-se a história de que o Dia Internacional da Mulher surgiu em homenagem a 129 operárias estadunidenses de uma fábrica têxtil que morreram carbonizadas, vítimas de um incêndio intencional no dia 8 de março de 1957, em Nova York. Segundo a versão que circula no senso comum, o crime teria ocorrido em retaliação a uma série de greves e levantes das trabalhadoras. 

Embora essa seja a narrativa mais conhecida, quando se fala sobre a origem da data comemorativa, essa luta também se deu com o objetivo do direito ao voto feminino ela se soma as demais lutas de classe das operarias femininas.

O primeiro registro remete a 1910. Durante a II Conferência Internacional das Mulheres em Copenhague, na Dinamarca, Clara Zetkin, feminista marxista alemã, propôs que as trabalhadoras de todos os países organizassem um dia especial das mulheres, cujo primeiro objetivo seria promover o direito ao voto feminino. A reivindicação também inflamava feministas de outros países, como Estados Unidos e Reino Unido.

 

No ano seguinte, em 25 de março, ocorreu um incêndio na fábrica Triangle Shirtwaist, em Nova York, que matou 146 trabalhadores -- incluindo 125 mulheres, em sua maioria mulheres imigrantes judias e italianas, entre 13 e 23 anos. A tragédia fez com que a luta das mulheres operárias estadunidenses, coordenada pelo histórico sindicato International Ladies' Garment Workers' Union (em português, União Internacional de Mulheres da Indústria Têxtil), crescesse ainda mais, em defesa de condições dignas de trabalho. 

 

As russas soviéticas também tiveram um papel central no estabelecimento do 8 de março como data comemorativa e de lutas. Por “Pão e paz”, no dia 8 de março de 1917, no calendário ocidental, e 23 de fevereiro no calendário russo, mulheres tecelãs e mulheres familiares de soldados do exército tomaram as ruas de Petrogrado (hoje São Petersburgo). De fábrica em fábrica, elas convocaram o operariado russo contra a monarquia e pelo fim da participação da Rússia na I Guerra Mundial. 


 
A revolta se estendeu por vários dias, assumindo gradativamente um caráter de greve geral e de luta política. Ao final, eliminou-se a autocracia russa e possibilitou-se a chegada dos bolcheviques ao poder.
A atuação de mulheres russas revolucionárias como Aleksandra Kollontai, Nadiéjda Krúpskaia, Inessa Armand, Anna Kalmánovitch, Maria Pokróvskaia, Olga Chapír e Elena Kuvchínskaia, é considerada imprescindível para o início da revolução.

 “A história real do 8 de março é totalmente marcada pela história da luta socialista das mulheres, que não desvincula a batalha pelos direitos mais elementares -- que, naquele momento, era o voto feminino -- da batalha contra o patriarcado e o sistema capitalista”, ressalta a historiadora Diana Assunção, integrante do coletivo feminista Pão e Rosas.

Não da para dissociar a verdadeira revolução sem a presença feminina.   

O contexto histórico aponta que houve uma articulação histórica para esvaziar o conteúdo político do 8 de março, transformá-lo em “uma data simbólica inofensiva” e em um nicho de mercado, apagando sua origem operária. 

“No dia da mulher, compram-se flores e presentes para as mulheres. Tentam esconder o conteúdo subversivo do significado desse dia, que é questionar o patriarcado. Tentam esconder que a luta das mulheres sempre esteve vinculada à luta socialista, perigosa para o status quo”, acrescenta Assunção. 

 

Em 1921, na Conferência Internacional das Mulheres Comunistas, o dia 8 de março foi aceito como dia oficial de lutas, em referência aos acontecimentos de 1917. A data foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975.

 

Retornar às origens

A cada 8 de março, as mulheres trazem à tona questionamentos sobre a hipocrisia em torno das homenagens que recebem apenas nessa data. Em todos os dias do ano, o gênero feminino é o principal alvo da violência e da desigualdade. 

Em resposta, trabalhadoras em todo o mundo se organizam cada vez mais pela defesa de seus direitos. Em 2017 e 2018, elas organizaram numa ação Internacional com adesão de 40 países, com o lema “Se nossas vidas não importa que produzam sem nós”.  É necessário o “resgate de um método de luta da classe operária de enfrentamento aos patrões e aos capitalistas”. 

"O que estamos vendo é justamente que a revolta e a luta de classes têm rosto de cada mulher a nível internacional, com a luta a que estamos assistindo nos últimos anos, com essa verdadeira primavera feminista no mundo inteiro, com enormes marchas. Mas, agora, com uma cara cada vez mais operária", ressalta. "As mulheres são metade da classe operária, e as mulheres negras estão mostrando que são linha de frente em vários processos de luta". 

A historia nos aponta que é importante resgatar a verdadeira origem do Dia Internacional da Mulher, pois, foram as proletárias que avançaram efetivamente em medidas concretas para atacar os pilares que sustentam a opressão às mulheres. “Mais do que nunca, precisamos da organização dos trabalhadores com as mulheres à frente, mostrando que é vanguarda, inclusive da classe operária. Enfim, sacudindo os movimentos, os sindicatos, com toda força expressada internacionalmente”.

O 8 de março, é dia de tuta com mobilizações em dezenas de países e em todos os estados do Brasil. “O oito de março que estamos vivendo agora é internacional, como parte da luta por mobilizações a nível global, que enfrente o sistema opressor que enfrente todos os governantes da extrema direita. Essa é a perspectiva que deveria ser levada à diante. Por Marielle e por todas as mulheres assassinadas. É preciso entender que o capitalismo é uma suja prisão, e que precisamos lutar por uma nova sociedade”, ressaltando, mais uma vez, o legado das mulheres revolucionárias. 

 

Domingos Braga Mota

Ex Dirigente Sindical

Fetrace/SEC Fortaleza/Contracs/CUT. 




terça-feira, 5 de julho de 2022

Jair Bolsonaro nem se preocupa mais em esconder que é inimigo dos trabalhadores. Em pleno período de alto desemprego, explosão de informalidade e renda cada vez menor o ex-campeão ataca agora o FGTS dos brasileiros.


Segundo matéria publicada pela Folha de S. Paulo, o governo já tem estudos para reduzir a alíquota do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço que as empresas recolhem. Em vez de depositar 8% do salário, os empregadores passariam a recolher apenas 2%.

Além disso, outra ideia é reduzir a multa paga em caso de demissão sem justa causa, de 40% para 20%. Ou seja, além de estar atolado em dívidas e vendo a inflação corroer seu salário, o trabalhador teria ainda menos proteção ao ser demitido. É muita desumanidade.

O senador Paulo Paim (PT-RS) diz que se trata de uma ideia que não pode ser aceita pela sociedade brasileira. “Inaceitável que o governo queira, mais uma vez, atacar os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras. Nestes tempos de altas taxas de desemprego e trabalho precário, querer reduzir as contribuições ao FGTS, de 8% para 2%, bem como reduzir a multa por demissão sem justa causa, de 40% para 20%, é algo desumano, fora da realidade”, diz o parlamentar.

“O que querem? Uma nova reforma trabalhista? Não vamos aceitar. Nenhum direito a menos. O governo precisa é agir de forma a dar impulso à economia, ao crescimento e ao desenvolvimento do País, gerando empregos de qualidade e renda digna para a população”, completa Paim.

A desculpa que o governo dá, segundo a Folha, para tamanho absurdo é a velha lorota de que a medida “reduzirá o custo da contratação de trabalhadores, como também contribuirá com a geração de novos empregos”. Ou seja, o mesmo pretexto que motivou a fracassada reforma trabalhista, que só cortou direitos, aumentou a precarização e não gerou os empregos prometidos.

LEIA MAIS: Reforma trabalhista fracassou: nova lei não gerou empregos

A desculpa de que é preciso cortar direitos para gerar empregos não cola mais. Além de os dados já terem desmentido os argumentos usados para aprovar a reforma trabalhista em 2017, o PT provou que é possível criar milhões de vagas sem cortar direitos.

Basta, como disse Paim, que o governo invista e estimule a economia. Nos governos Lula e Dilma, dessa forma foram criados quase 20 milhões de empregos formais, cerca de 1,5 milhão de vagas com carteira assinada por ano (veja gráfico abaixo).

É por saber que é possível aumentar o emprego sem cortar direitos que Lula tem defendido a construção de novas leis trabalhistas no Brasil. A gente quer reconstruir, (criar) uma relação de trabalho moderna, que leve em conta o mundo do trabalho de hoje, os avanços tecnológicos. Mas os trabalhadores precisam ser tratados com respeito, não podem ficar reféns, sem ter nenhuma seguridade social”, defendeu Lula em abril passado.

 


sábado, 2 de julho de 2022

 GRAMSCI, O ESTADO E A HEGEMONIA

Helder Molina

Na concepção de Gramsci, nas sociedades ocidentais, Estado se “ampliou”, adquiriu novas determinações que ainda não existiam, ou existiam só embrionariamente, na época de Marx e Engels e na sociedade russa em que Lenin operou. Essas novas determinações resultaram da socialização da política (nascimento de sindicatos, formação de partidos de massa, conquista do sufrágio universal, etc.), ocorrida sobretudo a partir de 1870. Tal socialização leva à criação de uma nova esfera do ser social, que Gramsci chamou precisamente de “sociedade civil”, num sentido muito diverso daquele presente no uso deste termo por Marx.

Com isso, o Estado deixou de ser o simples “poder de opressão” de uma classe sobre outra, deixou de agir apenas através da coerção - era assim que o Estado aparecia definido no Manifesto comunista de 1848 e na obra de Lenin e dos bolcheviques - e passou a adotar também, como recurso de poder, a busca do consenso, da legitimação, da direção intelectual e moral, que se expressam através da adoção por uma classe (ou bloco de classes) dos valores inicialmente formulados por outra classe (ou bloco de classes). É a essa direção intelectual e moral que Gramsci chamou de hegemonia, um fenômeno que, para ele, manifesta-se em todo o “Ocidente” e não só na sociedade italiana.

O conceito Gramsciano de hegemonia é amplo, decorrente de sua percepção de sociedades Ocidentais mais complexas. O Estado se ampliou, adquiriu novas determinações, que na época de Marx e Engels ou não existiam ou ainda eram incipientes; do que resultou a socialização da política (sindicatos, partidos de massa, sufrágio universal, dentre outras conquistas), ocorrida, sobretudo a partir de 1870. Essa socialização criou uma nova esfera do ser social, que Gramsci chamou de sociedade civil.

Com isso, o Estado deixou de ser poder de opressão de uma classe sobre outra, e passou a adotar também, como recurso de poder, a busca do consenso, da legitimação, do consentimento, que se expressam através da adoção por uma classe, ou bloco de classes, dos valores inicialmente formulados por outras classes ou outros blocos de classes Direção intelectual e moral,(BOTTOMORE, 1988). Nos Cadernos do Cárcere, "hegemonia" é definida como a capacidade de um Estado ou de um grupo social de apresentar-se como portador de interesses gerais e de convencer os outros Estados ou grupos sociais de que os interesses que representa são, de fato, interesses comuns. A ênfase recai, aqui, no caráter consensual dos interesses defendidos pelo grupo social hegemônico, conquistado a partir do convencimento. (COUTINHO, 1997)

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Na pandemia, bilionários aumentam fortuna e pobres pagam a conta.

No Brasil, os 42 bilionários do país aumentaram suas fortunas em US$ 34 bilhões, do início da crise sanitária até junho. 
Segundo dados do relatório “Quem Paga a Conta? – Taxar a Riqueza para Enfrentar a Crise da Covid na América Latina e Caribe
”, divulgado nesta segunda-feira (27), 73 bilionários da América Latina e do Caribe aumentaram suas fortunas em US$ 48,2 bilhões entre o mês de março, quando a pandemia de coronavírus começou a se disseminar pelo subcontinente, e junho deste ano.
De acordo com a entidade, baseada em dados da Forbes, o valor é equivalente a um terço do total de recursos previstos em pacotes de estímulos econômicos adotados por todos os países da região. No Brasil, os 42 bilionários do país aumentaram suas fortunas em US$ 34 bilhões no mesmo período. O patrimônio líquido desses super ricos cresceu de US$ 123,1 bilhões, em março, para R$ 157,1 bilhões em julho.
Enquanto oito novos bilionários surgiram na região no período, a partir do início do distanciamento social implementado por governos contra a Covid-19 (doença causada pelo novo coronavírus), estima-se que 40 milhões perderão seus empregos e 52 milhões de pessoas entrarão na faixa de pobreza na América Latina e Caribe em 2020.“A Covid-19 não é igual para todos. Enquanto a maioria da população se arrisca a ser contaminada para não perder emprego ou para comprar o alimento da sua família no dia seguinte, os bilionários não têm com o que se preocupar”, diz Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil. “Eles estão em outro mundo, o dos privilégios e das fortunas que seguem crescendo em meio à, talvez, maior crise econômica, social e de saúde do planeta no último século”, acrescenta.
Segundo o relatório da Oxfam, citando a Organização Mundial de Saúde (OMS), desde 1º de junho, a região passou a ser o novo epicentro da crise sanitária da Covid-19, superando o índice de infecção dos Estados Unidos e da Europa, “com um devastador efeito social”.
“Os elevados níveis de desigualdade e pobreza, preexistentes à crise, somados à alta informalidade e a administrações públicas com recursos insuficientes, são um efeito multiplicador que explica a vulnerabilidade da região e limita sua capacidade de conter a pandemia”, registra a Oxfam.
Brasil
O relatório da Oxfam destaca que o Brasil se transformou no vice-líder do mundo em número de pessoas contaminadas e mortas pelo novo coronavírus, oficialmente denominado Sars-Cov-2, causador da doença ou infecção covid-19.
Até a tarde desta sexta-feira, o Brasil contabilizava 2.303.661 casos da infecção, com 84.440 mortos. “Esses números ainda parecem estar amplamente subestimados, já que a subnotificação de casos é reconhecida até mesmo pelas autoridades públicas. O Brasil testa sete vezes menos (por milhão de habitantes) que os Estados Unidos, país que encabeça o ranking de infectados, e 3,5 vezes menos que o Peru, segundo país latino-americano em casos”, diz a Oxfam.
A trajetória do vírus, continua o relatório, “é uma fotografia das profundas desigualdades do país”. O Brasil tinha 40 milhões de trabalhadores informais e 11,9 milhões de desempregados antes da pandemia, “muitos sem proteção social”. Após a pandemia, horizonte que ainda nem mesmo a ciência consegue apontar com clareza, o quadro deve se agravar muito.
“As expectativas apontam que o desemprego pós-pandemia pode aumentar para taxas de 15%, com 16 milhões de desempregados.” Isso num país no qual cerca de 5 milhões de moradias estão em favelas, a maioria das quais sem acesso a água tratada e saneamento básico.
O “racismo estrutural do país”, segundo o relatório da Oxfam, também é fator relevante quando se analisa a pandemia, já que 75% dos mais pobres no país são pessoas negras. “Não surpreende que os números mostrem que as pessoas negras e pobres correspondam ao perfil de vítima mais comum da Covid-19 no Brasil, representando 6 de cada 10 mortes.”
Propostas
A Oxfam considera que tanto a reação do governo Jair Bolsonaro quanto a do Congresso Nacional na atual conjuntura deixam a desejar. “Entre a pífia proposta apresentada pelo governo federal e os discursos de lideranças do Congresso, que defendem uma reforma tributária voltada para a simplificação e a melhoria do ambiente para investimento, a maioria da população é escanteada mais uma vez”, critica.
Segundo a entidade, “ninguém parece ter a intenção de tocar nos privilégios dos mais ricos, que nunca pagaram uma parte justa de impostos”, afirma Katia Maia. No relatório, a Oxfam faz algumas propostas fiscais, emergenciais ou de temas pendentes ainda não resolvidos, “para que possamos distribuir melhor a conta da crise econômica”.
Entre elas, um imposto extraordinário sobre grandes fortunas, resgates públicos a grandes empresas com condições, redução de impostos para pessoas em situação de pobreza, imposto sobre resultados extraordinários de grandes corporações, imposto digital, deter a enorme perda de arrecadação por conta da evasão fiscal e elevar ou criar taxas sobre rendimentos de capital.
A reforma tributária no Brasil precisa ser profunda e estrutural, aponta a Oxfam. “No Brasil, a discussão da reforma tributária não tem levado em conta a necessidade de se reestruturar o sistema para torná-lo mais progressivo e indutor da redução das desigualdades, conforme prevê a Constituição brasileira.”
Empresas: privilégios e dificuldades
A desproporção entre quem perde e quem ganha também é sintomática na região da América Latina e Caribe, diz o relatório. Enquanto as micros, pequenas e médias empresas fecham as portas, os ganhos de grandes corporações cresceram entre 30% e 50% desde o início do ano, segundo a entidade.
“Um recorde, compartilhado por um punhado de grandes empresas que estão vendo como seus resultados dispararam como consequência da pandemia, resultados tão extraordinários como inesperados, atribuível ao efeito dos isolamentos”, destaca.
Enquanto isso, o cenário no Brasil, para as micro e pequenas empresas, que representam 52% dos empregos formais no setor privado, o impacto da Covid-19 atingiu “em cheio esse setor”: 600 mil empresas já fecharam, mergulhadas em enormes dificuldades para ter acesso aos recursos anunciados pelo governo federal sob a forma de empréstimos.

sexta-feira, 24 de julho de 2020

O centenário de Florestan Fernandes, um teórico a serviço da classe trabalhadora.

O sociólogo que levou sua origem de classe para os livros viu a revolução como essencial para transformação do Brasil.

Quando Florestan Fernandes terminou o curso de Ciências Sociais, em 1944, não saía da Universidade de São Paulo (USP), um sociólogo formado somente pelos livros. A sociologia, na verdade, chegou para Florestan primeiro por meio do trabalho, e somente depois pela reflexão. Esta é uma formulação do próprio sociólogo que permeia toda a complexidade e totalidade de seu pensamento.

Filho único de Maria Fernandes, portuguesa que chegou ao Brasil para trabalhar no campo aos 13 anos de idade, Florestan nasceu em 22 de julho de 1920 e viveu os primeiros conflitos de classe dentro da casa da família Bresser, onde a mãe trabalhou como empregada doméstica, no município São Paulo (SP). Os poucos anos ali bastaram para Florestan entender que a casa, para ele e sua mãe, era do quarto onde dormiam, no quintal, somente até a cozinha. Dali para frente, a barreira só podia ser transpassada com a permissão e o acompanhamento de um dos Bresser.

Permissão, a mesma, que não lhe foi solicitada para ter o nome trocado pelos donos da casa. Florestan, o nome de um personagem da ópera Fidelio, de Ludwig van Beethoven, não era cabível para o filho de uma empregada doméstica. Chamavam-no, então, de Vicente, que consideravam mais apropriado. “Também o nome ele não podia ter”, conta Florestan Fernandes Júnior, filho do sociólogo e jornalista.

O ponto final da experiência na casa Bresser – que anos mais tarde ele considerou essencial do ponto de vista sociológico – se deu quando os patrões pediram a Maria Fernandes que entregasse Florestan a eles. A portuguesa respondeu “só cachorro que se dá”, pegou suas coisas e foi morar em cortiços.

A maior luta dele durante a vida foi não se afastar de suas origens.
Diante da situação, Florestan, aos seis anos de idade, começou a trabalhar como engraxate, para ajudar na sobrevivência da pequena família. “Assim foi vida deles, vivendo com condições precárias. Todo o aprendizado dele vem desse período e ele nunca se afastou. Ele falou até que a maior luta dele durante a vida foi não se afastar de suas origens”, relata o filho. Somente aos 17 anos, depois de passar por diversos empregos, Florestan retomou os estudos, fez um curso de madureza para concluir o que hoje se conhece por Ensino Médio e ingressou na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH-USP).

Para Miguel Yoshida, editor da Expressão Popular, compreender a origem de classe de Florestan é “fundamental” para compreender todo o seu desenvolvimento teórico. “Por mais que por durante boa parte da vida ele estivesse ligado à universidade com ocupações acadêmicas, ele nunca perdeu essa perspectiva de olhar para o mundo e para a condição dos ‘de baixo’, nunca esteve fora da perspectiva dele”. Prova disso, diz Yoshida, são os temas sobre os quais ele teorizou: a questão racial e de classe, majoritariamente.

Burguesia dependente e a prática revolucionária

A partir desse olhar, Florestan Fernandes constrói uma conexão entre pensamento e prática que permanece por todo o seu trabalho como uma tarefa política. O objetivo: fornecer as ferramentas necessárias para a classe trabalhadora conseguir transformar a própria realidade.

“A preocupação central dele nos últimos 20 anos de vida é de conseguir construir uma compreensão do País que possibilite a transformação dele. Então, a teoria do Florestan nos últimos 20 anos se dedica a isso, a essa construção dessa teoria da revolução brasileira”, explica Yoshida.

O primeiro passo para a construção dessa prática revolucionária foi entender a origem das classes sociais no Brasil. Para estudar o comportamento das classes dominantes, Florestan estudo os anos da escravidão e demonstrou como a transição da Colônia até a República, incluindo a abolição da escravatura, ocorreu sem rupturas institucionais de fato. O sociólogo identifica a manutenção do padrão de dominação de classe, com o cultivo de heranças escravocratas refletidas nas dinâmicas sociais do país.

Não tem uma possibilidade nacional de desenvolvimento autônomo.
Diferente de outras ao redor do mundo, segundo a leitura de Florestan, a burguesia brasileira não precisou realizar uma revolução para concretizar o modo de produção capitalista. Aqui, o capitalismo e as dinâmicas imperialistas e de escravização se entrelaçaram para fazer surgir o que ele chama de "capitalismo dependente".

Tal dependência faz com que a burguesia brasileira precise realizar concessões ao capitalismo central para conseguir manter qualquer tipo de relação, uma vez que não está “no mesmo pé de igualdade”. Hoje, isso se observa na desindustrialização do Brasil e na condição de exportador de commodities.

Apoiado nesta ideia, Florestan defendia que “o desenvolvimento aqui não tem uma possibilidade nacional de desenvolvimento autônomo, não tem um desenvolvimento autônomo, ele vai estar sempre atrelado às demandas desse capitalismo central”, explica Yoshida.

Nesse sentido, a proposta política da burguesia nunca abarcará as transformações necessárias para o desenvolvimento social do País, como as reformas agrária e educacional. Ao contrário, na mesma medida em que é submissa ao capitalismo central, submete as classes trabalhadoras com violência, nos mesmos moldes escravocratas.

A construção de um país pautada em reformas agrária e educacional, coloca Florestan, é tarefa, portanto, dos trabalhadores. E é aqui que entra a prática revolucionária e a educação como um dos pontos de partida para tal movimento.

Educação para a auto emancipação dos trabalhadores

Durante toda a vida, Florestan se preocupou intensamente com o tema da educação e defendeu um ensino gratuito, laico e de qualidade – não somente uma formação técnica, mas uma ferramenta de transformação social. Com acesso ao conhecimento acumulado pela humanidade e à prática militante, é possível alcançar a prática revolucionária e mudar as bases sobre as quais as classes dominantes se ergueram, defendia Florestan.

Ele valorizava demais esse lado do conhecimento, do letramento, do direito à educação.
Nesse sentido, já na última década de sua vida, enquanto foi deputado (1987-1995) pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Florestan ajudou a criar as bases do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) bem como os princípios constitucionais da educação brasileira, na Assembleia Constituinte.

Segundo o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), que trabalhou o tema da educação ao lado de Florestan Fernandes na Assembleia Constituinte, o sociólogo foi responsável pela elaboração do capítulo da Constituição que trata da autonomia das universidades e das garantias de uma educação de qualidade.

“Ele virou a grande referência de todos os movimentos sociais e educacionais, no Congresso Nacional. Ele foi grande a referência para a construção de uma visão constitucional da educação como dever do Estado e direito do cidadão”, afirma Valente.

“Claro que Florestan é um socialista marxista, alguém que tinha conhecimento de que o pior analfabeto é o analfabeto político. Então, ele valorizava demais esse lado do conhecimento, do letramento, do direito à educação e do que significa conseguir universalizar a educação básica e ao mesmo tempo garantir a qualidade da educação com financiamento público de qualidade”, a fim de mitigar as desigualdades sociais. Para Valente, falar de Florestan Fernandes hoje, “é se contrapor a essa imensa mediocridade que nós estamos vivendo com a era Bolsonaro”.

“Debaixo do meu guarda-chuva cabem todos os radicais”

Amigo próximo do sociólogo, o jornalista Vladimir Sacchetta relembra uma frase que sintetiza significativamente quem foi Florestan Fernandes e como ele vivia de acordo com o seu objetivo de transformar o País: “Florestan era o Florestan, ele era uma bandeira em si”.

O papel do intelectual era ser contestador e enfrentar as dificuldades e empregar as suas ferramentas teóricas sem nunca abandonar do horizonte a possibilidade de ter uma transformação social.
Durante a sua campanha para deputado constituinte, da qual Sacchetta fez parte, o lema era “Contra as ideias da força e a força das ideias”, o que sintetiza bem uma campanha que agregou pessoas de diversas origens e espectros ideológicos.

“Volta e meia aconteciam tensões no PT, e Florestan vinha daquele jeito doce, gentil, educado, um homem sisudo, aparentemente, com aquela sobrancelha que vinha por cima do óculos, mas um ser humano muito doce, e dizia o seguinte: ‘Opa, espera aí, debaixo do meu guarda-chuva cabem todos os radicais’”, conta Sacchetta.

O engajamento para a transformação social nunca deixou que Florestan saísse de fato da política, mesmo dentro das universidades, onde praticava uma sociologia crítica e militante.

“O papel do intelectual era ser contestador e enfrentar as dificuldades e empregar as suas ferramentas teóricas sem nunca abandonar do horizonte a possibilidade de ter uma transformação social e da criação de um mundo mais justo, mais livre e mais feliz”, afirma Sacchetta.

Em 1969, durante a ditadura militar brasileira, o preço pago foi a aposentadoria compulsória com a publicação do AI-5, quando Florestan, então, decide se exilar nos Estados Unidos e no Canadá, onde foi professor titular na Universidade de Toronto. Florestan Fernandes Júnior relata que foi um momento de “muitas incertezas” para a família.

Em cartas escritas ao escritor e sociólogo Antônio Candido, um de seus amigos mais próximos, Florestan dizia não aguentar mais o exílio e que, se fosse para morrer, preferia voltar e morrer lutando. No fim, Antônio Candido sempre o convencia a esperar mais um pouco.

Florestan volta ao Brasil, em 1972, mas só consegue voltar a dar aulas em 1978, quando Dom Paulo Evaristo Arns, o terceiro grão-chanceler da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o reabilita, mesmo com a pressão dos militares para não fazê-lo.

Tempos depois, ele parte definitivamente para a política partidária dentro do PT. “Ele aceita e diz para mim: ‘Filho, eu esperei a vida inteira por um partido de esquerda que nunca surgiu. Eu acho que não vou ter tempo de vida para esperar mais. Acho que esse partido não vai chegar tão cedo. E de todos os partidos que têm no Brasil hoje eu acho que o que está mais próximo daquilo que eu considero um partido progressista, de esquerda é o PT, por isso eu me filiei a ele e vou concorrer’”, relembra Florestan Fernandes Júnior.

A atualidade do pensamento de Florestan Fernandes

Outra missão assumida pelo sociólogo foi a construção uma frente democrática entre os partidos de esquerda e de enfrentar o autoritarismo. Ele dizia que boa parte dos progressistas acreditaram que tinham derrotado o nazismo e fascismo quando caíram Adolf Hitler e Benito Mussolini.

Estavam enganados, afirmava Florestan. “O fascismo nunca morreu. Ele falava que o fascismo é o braço armado do capitalismo. Sempre que o capitalismo se sente ameaçado, esse braço aparece. E é isso que a gente está vendo hoje no Brasil em alguns outros lugares do mundo”, relembra Florestan Fernandes Júnior.

Hoje, com Jair Bolsonaro (sem partido) na Presidência da República, bem como Donald Trump nos Estados Unidos, Boris Johnson no Reino Unido, Andrzej Duda na Polônia, entre outros conservadores e ultraconservadores, Florestan Fernandes procuraria descobrir quais erros levaram ao cenário atual, acredita Vladimir Sacchetta.

Esse era o perfil de atuação de Florestan dentro do PT, relata Sacchetta, onde ele questiona se a sigla irá se transformar um partido da ordem ou contra a ordem. “Ele discutia muito essa institucionalização do PT”, assim como as concessões feitas em nome da governabilidade em detrimento de ganhos para o povo, dentro do seu espectro da extrema esquerda.

“Talvez essa questão da nossa atualidade passasse por aí: onde a esquerda errou? Porque as reformas não foram aprofundadas?”, argumenta o jornalista, relembrando a defesa de Florestan sobre a formação de uma frente única de esquerda. “É justamente o que falta hoje”, resume.

Atualmente, Florestan Fernandes também permanece vivo na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema, São Paulo, idealizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em 2005. “Um espaço construído pela classe trabalhadora, tijolo a tijolo, para possibilitar a formação política de organizações populares de todo o mundo”, informa o movimento.

Para Sacchetta, que também faz parte da Associação dos Amigos da Escola Nacional Florestan Fernandes, a escola do nome não poderia ser tido melhor. “Ele está lá. Na escola, moram as minhas utopias. A última morada do Florestan. Basicamente, ele é o reitor da escola e figura emblemática que inspira a luta do MST, que é o movimento social mais importante que a gente tem, do país, da América Latina e, quem sabe, do mundo”, conclui. 


sábado, 20 de junho de 2020

O desafio de um programa transformador Raul Pont

A conjuntura em que ocorrem as eleições de 2020 é dominada pela pandemia que adquiriu contornos mundiais em sua expansão e letalidade. Seu caráter fulminante decorre da ausência de tratamento, seja a vacina que previne, sejam remédios eficazes que a curem.


No Brasil, a irresponsabilidade do governo Bolsonaro, a fragilização do sistema público de saúde e a brutal desigualdade social e regional nos conduzem ao topo do genocídio no planeta. Vamos disputar com os EUA, país sem um sistema público e universal de saúde, em número de óbitos causados pelo vírus. No Brasil, a ausência de planejamento e ação do Ministério da Saúde para uma política nacional de combate ao Covid-19,  ao desestimular o isolamento social e não investir em saúde e em uma política de renda básica, torna-se uma ação criminosa deliberada.

Sem planejamento, sem controle previsível, o isolamento social exigido no combate ao vírus fica à mercê dos Estados e municípios e põe em risco o próprio calendário eleitoral e abre um debate crucial. Prorrogar mandatos é inconstitucional e um grande prejuízo para a democracia no país, mas as entidades de representação dos municípios – em várias regiões – começam a abraçar e propagandear a saída pela prorrogação dos mandatos até 2022.

Precisamos estar atentos e combater essa hipótese em defesa do calendário democrático previsto. O processo eleitoral já está prejudicado pelo autoritarismo governamental reinante com o desprestígio aos partidos políticos e ataques permanentes à democracia. Não há, também, espaço disponível na grande mídia para o  fortalecimento dos Partidos, dos programas e projetos que representam como instrumentos insubstituíveis para a formação de vontades coletivas no sistema democrático.

Mesmo na hipótese de um adiamento do prazo – única alternativa aceitável – o processo eleitoral de 2020 será difícil e exigirá de nós enorme capacidade de superação dessa conjuntura adversa. De um lado, a crise sanitária, de outro, um governo antidemocrático, autoritário, entreguista, ultra-neoliberal cada vez mais rejeitado pela população, mas que sobrevive e tem bases sociais de sustentação nos grandes bancos que vivem do rentismo financeiro, da agro-exportação que defende a primarização do país, da grande mídia que restringe sua crítica ao grotesco comportamento de Bolsonaro mas defende a política econômica do ministro Guedes e das Forças Armadas ainda dominadas pelo maniqueísmo da Guerra Fria sem nenhuma sustentação do que ocorre no mundo real. Ao contrário, há crise entre as principais potências, fortalecimento de medidas protecionistas e nacionalistas de direita, crise no interior dos grandes blocos como é o caso da União Européia, o que exigiria uma política externa multipolar, antibélica, pragmática e oposta ao servilismo atual ao imperialismo norteamericano.

Outros elementos a agregar na avaliação conjuntural

Se o desafio é apresentar um programa transformador, que sinalize esperança e reconstrução de força política no país, a análise tem que incorporar o debate feito no Partido e na esquerda brasileira sobre a experiência vivida com o golpe parlamentar-midiático-judicial que retirou a presidenta Dilma do governo e os resultados eleitorais de 2016 e 2018.

Esse diagnóstico envolve uma visão crítica e autocrítica sobre a política de alianças praticada no governo federal no mandatos Lula e Dilma e que se estenderam como orientação de fato nos Estados e municípios.
Isso incorpora o conjunto de ações e políticas públicas positivas que foram realizadas pelos governos mas que não tiveram protagonismo pelos beneficiados e, assim, pouca ou nula elevação de consciência e organização políticas como fruto desses  direitos e/ou conquistas alcançadas.

A avaliação tem que incorporar, também, o debate sobre equívocos graves cometidos como a rendição programática e ideológica à pressão dos adversários na condução da política econômica após a vitória eleitoral dramática alcançada no quarto mandato em 2014. Era evidente que a política de austeridade de Joaquim Levy não seria de uma rápida tática para estabilizar a crise fiscal e retomar o crescimento. Transformou-se no agravamento da crise, no desemprego acelerado, na perda de base social importante para o governo e uma derrota ideológica à cartilha neoliberal de como retomar o crescimento.

Esse comportamento está intimamente vinculado à política de alianças e à composição governamental que vínhamos praticando e ampliando, a cada mandato, em detrimento de buscar fortalecer mecanismos de legitimação e sustentação popular aos nossos governos, através de experiências de democracia direta e participativa.

O preço pago foi altíssimo. A Operação Lava Jato, a versão midiática do “governo mais corrupto da história”, do “partido que quebrou o país”, prevaleceu  como verdade dominante. A mesma mídia que defendia, hipócrita e ferrenhamente, a austeridade, o Estado mínimo, o fim da “gastança” social e a política rentista dos banqueiros, debitou na conta do governo petista o que foi posto em prática por seus diletos tecnocratas na política econômica cuja consequência direta para milhões tinha nome: o desemprego em massa.

Se somarmos a isso a exacerbação midiática do tema da corrupção, a cumplicidade dos órgãos da justiça com a parcialidade e a fabricação de provas da Operação Lava Jato, a ilegalidade crescente na produção massiva de “fake news” financiadas por empresários via caixa 2 e a traição golpista do PMDB através de Eduardo Cunha e Michel Temer, estamos com o cenário pronto que explica as principais razões da profunda derrota eleitoral que sofremos em 2016 e 2018.

A necessidade histórica da luta anti-capitalista e a nossa herança de construção democrática, inovadora e singular com o direito de tendências, proporcionalidade e igualdade de gênero nas direções  partidárias, a defesa da participação multiétnica e de juventude, garantiram a resistência e a sobrevivência apesar de todo o massacre sofrido durante anos, rotulados de organização criminosa pela mídia.

A heróica vigília durante todo o período de prisão de Lula, a presença permanente em todas as lutas sociais e o enraizamento e capilaridade nacional nos permitiram continuar no tabuleiro político e retomar iniciativas.

Temos claro, no entanto, que nesta conjuntura onde ainda persistem os preconceitos e o antipetismo construído nas versões midiáticas,  há um novo cenário político. Desde o atual quadro partidário brasileiro às mudanças ocorridas no mundo, há um horizonte muito distinto daquele vivido nos anos 90 que culminaram com a chegada à presidência da República em 2002.

A atualização programática anticapitalista em tempos de pandemia

A escolha de Porto Alegre pelos organizadores do primeiro Fórum Social Mundial (jan. 2001) não foi aleatória. A razão da escolha estava na radicalidade da experiência de governo na capital e no Rio Grande do Sul baseada na democracia participativa.

Se o objetivo do Fórum era confrontar Davos e o neoliberalismo dominante, o melhor símbolo deveria ser a democracia participativa, a participação direta da população na definição das políticas públicas e do orçamento municipal.

O Orçamento Participativo (O.P.) tornou-se um ponto de programa consensual dos que defendiam que “outro mundo seria possível”. A experiência demonstrava que além da democratização da decisão sobre os gastos e políticas públicas, ali se ensaiavam novas formas de participação e deliberação que iam além da burocratizada e elitizada democracia representativa. Na prática concreta vivia-se, nas reuniões e fóruns regionais, e nos espaços temáticos que se foram criando, a experiência inovadora que apontava como possível a construção de uma nova institucionalidade a desafiar os programas partidários da esquerda.

A conquista da presidência da República e a política de alianças adotada, buscando governabilidade via alianças congressuais e coalizões governamentais com o centro e até a centro-direita foi solapando, de fato, que essa proposta permanecesse e fosse defendida, inclusive, noutra perspectiva de sustentação político-social. No primeiro mandato de Lula ensaiou-se uma experiência de participação popular via a estrutura dos conselhos temáticos já existentes e que por legislação  estão capilarizados nos Estados e municípios, inclusive, com funções de fiscalização e controle e que continuam existindo, com experiências variadas de participação popular mas sem avançar no sentido da deliberação.

Apesar de alguns processos positivos de participação popular nos encontros setoriais (saúde, educação, habitação popular, etc.) a experiência foi sendo abandonada e substituída pela tradicional negociação congressual e pelo fortalecimento das famigeradas e corruptoras “emendas parlamentares”.
A constituição de uma frente de esquerda que ampliasse e sustentasse, junto com movimentos sociais e sindicais, uma experiência desse tipo sequer foi tentada.

O realismo da relação de forças no Congresso e nas Assembleias e o pragmatismo governamental levou-nos a abandonar uma prática política que nos educaria, nos exigiria enfrentar a crise teórica e programática da esquerda mundial no séc. XX, no campo da representação política e na gestão pública.

Vimos ruir ou estagnar as experiências burocráticas e autoritárias dos Partidos únicos e/ou o afastamento crescente dos partidos de esquerda nos governos de uma perspectiva socialista, pela manutenção de práticas capitalistas e de acumulação de capital que reforçou a subordinação à lógica capitalista.

A rendição ideológica e programática ao neoliberalismo fez com que a maioria das experiências de governo no campo da esquerda aceitasse e até praticasse as políticas de privatização de empresas públicas, de bancos, das áreas de serviço essenciais como água, energia elétrica, portos, aeroportos, telecomunicações, transporte público, saúde, educação, etc. Não avançamos – nas experiências da esquerda mundial – em novas formas de gestão pública desses setores com participação dos trabalhadores e com controle público dos usuários. Da mesma forma, há um atraso histórico na elaboração teórica e nas experiências de uma nova institucionalidade política. Não vamos avançar nessas formulações se não colocarmos em prática experiências vivas com o protagonismo da participação popular. Sem aceitar esse desafio, vamos continuar, simplesmente, reproduzindo instituições seculares criadas e organizadas para manter relações de dominação de classe e domesticar, pelas vantagens e privilégios,  seus oponentes como ocorre hoje nos parlamentos e nas instituições do Estado capitalista.

Neste momento, que queremos superar derrotas eleitorais e políticas, numa conjuntura de gravíssima crise sanitária que expõe todas as mazelas e contradições do capitalismo, de profunda crise econômica no país agravada pelas medidas praticadas pelo governo Bolsonaro e uma ausência de valores éticos e morais com descrédito nas instituições, necessitamos um programa eleitoral que, também, responda às reivindicações imediatas e sentidas pela população. Mas, principalmente, um programa eleitoral que combine isso com a luta anticapitalista. Mesmo nos limites da disputa municipal, é possível e, para nós, obrigatório que as campanhas eleitorais assumam também a propaganda educativa dos valores da igualdade social, da solidariedade, do coletivo, do planejamento superando o mercado. Por isso, a campanha eleitoral não pode abdicar dos temas da reforma política, do combate a brutal desigualdade social, da defesa de uma estratégia de desenvolvimento com o planejamento do Estado, das lutas pela igualdade e enfrentamento a todas as formas de discriminação combinadas com o anti capitalismo.

Um eixo central nos programas eleitorais municipais

O eixo estruturador dos programas municipais deve estar assentado na democracia participativa, nas experiências positivas que já realizamos. Seu fundamento é a participação popular através de formas diretas que se adequam a cada realidade (no Brasil temos o município de SP com 11 milhões de habitantes e há várias capitais e cidades com mais de um milhão de habitantes e a maioria dos municípios com menos de 10 mil habitantes) por regiões, por paróquias, por distritos e/ou zonais e a estrutura existente dos Conselhos Municipais temáticos, inclusive com funções legais previstas nas várias legislações (conselhos de saúde, educação, transporte, moradia, assistência social, etc.). Essa variedade enorme entre os municípios encerra, também, uma imensa diversidade de história, experiências e lutas sociais mas são todos entes  jurídicos semelhantes perante à União.

Nossos programas devem garantir que as políticas e os gastos públicos orçamentários sejam decididos diretamente pela população conjuntamente com o governo que deve propiciar as condições materiais e as informações e dados orçamentários, os limites dos novos investimentos, comprometendo-se em apresentar nas Câmaras Municipais o resultado fiel desses processos e a garantia de sua consecução. O Orçamento Participativo pode e deve criar outros mecanismos de consulta e protagonismo através de congressos, conferências, plebiscitos que venham ampliar o acesso à informação e a participação das comunidades.

As ferramentas digitais existentes hoje permitem estender isso de forma infinita. No Brasil, já há campanha orquestrada pela direita de transformar o celular num mecanismo de participação direta que substitua o Parlamento por um processo plebiscitário permanente. Ao menos é o que transmite a proposta que circula nas redes sem uma autoria clara e identificada.

Para nós esses  mecanismos não podem eliminar a participação presencial onde se exerce a formação da cidadania, onde se dá a educação política e compreensão do funcionamento, do papel e das competências do Estado em seus vários níveis, onde se aprende a debater e a decidir com solidariedade, prioridade e soberania popular sobre o orçamento público.

A questão central, o divisor de águas da nossa experiência com outras de consulta ou ouvidorias que se apresentam como semelhante é o caráter deliberativo, vinculante, da soberania da decisão sobre o serviço e/ou a obra definida pela comunidade e o respeito e cumprimento pelo Executivo. Esta é a essência da experiência de Orçamento Participativo que praticamos.

Um programa de prioridades sociais

A campanha eleitoral será, necessariamente, nacionalizada. Ou seja, no debate, nos panfletos, nas reuniões públicas, nas redes sociais, no rádio e TV,  os temas nacionais estarão presentes pois os municípios dependem deles diretamente: o sistema tributário e a partilha federativa dos recursos, a legislação autoritária sobre os gastos públicos e a política de austeridade neoliberal, o financiamento das grandes obras públicas nas áreas de saneamento e habitação popular, o papel do Estado e do planejamento como indutores de desenvolvimento, a reforma política exigida para substituir o caráter corruptor, anacrônico e anti-democrático do atual sistema eleitoral, a brutal desigualdade social e a liquidação em curso das conquistas e direitos sociais da Constituição Federal de 1988.

Precisamos, também, responder às competências municipais específicas e algumas com obrigatoriedade orçamentária como as áreas da educação infantil e fundamental e o sistema de saúde. As políticas de assistência social, habitação popular e mobilidade certamente vão variar muito de acordo com a dimensão dos municípios, mas o que distinguirá uma política petista, uma política de esquerda nessas áreas será a profunda democratização de suas decisões através dos Conselhos Municipais, articulados com os mecanismos gerais de decisão orçamentária no Orçamento Participativo.

O que distingue, também, nossas políticas públicas não é só a forma em que se realizam ou o cumprimento além dos mínimos constitucionais e das leis orgânicas.
Não basta, por exemplo, garantir os recursos materiais da educação. O importante, também, é engajar professores, alunos e comunidade escolar no debate sobre o conteúdo pedagógico do ensino transmitido, no combate aos índices  de evasão e repetência, na formação permanente e continuada dos docentes, na formação da cidadania e no estímulo à cultura e ao esporte às crianças e adolescentes. Uma escola cidadã  que prepare para a democracia.

O que distingue, também, uma administração petista é a defesa e a luta para que os serviços essenciais como a água, o saneamento, a mobilidade, aenergia, a comunicação tenham caráter público e não sirvam à acumulação privada do capital.

O município pode ser um importante indutor do desenvolvimento econômico sustentável no estímulo à formação de cooperativas, de incubadoras empresariais e tecnológicas, de crédito e/ou microcrédito para investimentos locais, de compras coletivas e direcionadas nas escolas, hospitais e refeitórios públicos,  nas políticas de apoio e extensão técnica para pequenos produtores e na capacitação gerencial de micro e pequenas empresas, na organização e apoio às cooperativas de recicladores de resíduos e outras iniciativas adequadas às características e ao meio ambiente de cada município.

Por menor que seja o município, o planejamento, a ocupação do solo urbano, a exploração de recursos naturais são elementos sujeitos ao poder regulador municipal, às vezes concorrente com o Estado e a União, mas não pode abdicar de fazer valer no município a racionalidade, o combate à especulação e destruição do meio ambiente, em suas variadas hipóteses.

Pensar e elaborar uma base comum programática para os mais de 5.500 municípios brasileiros, profundamente diferentes em suas condições de população socioeconômicas, meio ambiente e de formação histórico cultural é impossível, mas o que importa é o método e uma estratégia comum que o partido deve orientar. Nesse sentido, o esforço desta contribuição é assentar esta estratégia comum na concepção de radicalização democrática popular, com partidos aliados e movimentos sociais, através da participação popular direta e organizada na busca de nova governabilidade e legitimidade baseadas na democracia participativa.

Somos favoráveis que esse esforço e essa política seja defendida pelo nosso Partido como algo inseparável da formação de uma Frente de Esquerda orgânica, permanente e que tenha um programa comum com base na democracia participativa.

Essa proposta não é incompatível com os legislativos municipais que existem hoje, mas estabelece outra forma na sua relação com o Executivo e, com sua prática, nos permite retomar um debate com base real para propormos profundas mudanças na institucionalidade representativa atual.


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