Pão de Açúcar e a exploração do trabalho adolescente.
Justiça determina
que unidade da rede de supermercados em Ribeirão Preto (SP) deixe de praticar
irregularidades trabalhistas
25/12/2013
Igor Ojeda
Da Repórter Brasil
O supermercado Pão de Açúcar é “lugar
de gente feliz”, diz o comercial na TV. Clientes felizes e ecologicamente
sustentáveis encontram, em qualquer loja da rede, funcionários igualmente
felizes e ecologicamente sustentáveis sempre dispostos a atendê-los.
De acordo com a
juíza Francieli Pissoli, da 5ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto (SP), no entanto,
a realidade é um pouco diferente. Em decisão de novembro deste ano, ela
concedeu liminar favorável ao Ministério Público do Trabalho (MPT) determinando
ao Grupo Pão de Açúcar (GPA) que deixe de praticar uma série de irregularidades
trabalhistas, entre estas, a submissão de jovens aprendizes a desvios de função
e de seus funcionários em geral a jornadas excessivas. As violações foram fl
agradas por auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) na
loja do grupo localizada na avenida João Fiúsa, na Zona Sul de Ribeirão Preto,
interior de São Paulo.
Segundo a fiscalização, a gerência da unidade obrigava os adolescentes contratados pelo
programa de aprendizagem a trabalhar como caixas e empacotadores, em períodos
noturnos e em regime de compensação de jornada, condições não permitidas pela
legislação brasileira. Além disso, a empresa não cumpria o número mínimo de 5%
de aprendizes em relação ao total do quadro de empregados.
De acordo com a fiscalização do MTE, além de desrespeitar as violações dos direitos dos
adolescentes aprendizes, o Pão de Açúcar Fiúsa, como a unidade era conhecida,
não cumpria com algumas obrigações trabalhistas dos funcionários adultos.
Extensão de jornadas acima do permitido, ausência de intervalos regulares e
descanso semanal, e falta de registro de horário de entrada e saída dos
empregados foram algumas das práticas fl agradas.
Em nota enviada à
reportagem, o Grupo Pão de Açúcar afirma que cumpre a legislação trabalhista e
“repudia qualquer situação de violação aos seus preceitos”. Sobre os
adolescentes, a rede garante que seu programa direcionado a aprendizes possui
diretrizes “orientadas pelas leis vigentes”, o objetivo de “possibilitar a
entrada desses jovens no mercado de trabalho” e a premissa do “desenvolvimento
e aperfeiçoamento profissional dos participantes da iniciativa”.
A Ação Civil
Pública (ACP) havia sido ajuizada pelo procurador Henrique Lima Correia, da
Procuradoria do Trabalho do Município de Ribeirão Preto, após o Pão de Açúcar
ter se negado a fi rmar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) proposto por
Correia. “As denúncias de irregularidades chegaram a nós através do site da
Procuradoria. Chamei o Pão de Açúcar para se manifestar sobre elas. Se fossem
verdadeiras, que fi rmássemos um acordo extrajudicial, um TAC. A empresa negou
que houvesse irregularidades e não aceitou fi rmar o TAC. Então requisitei uma
fi scalização junto aos fi scais do trabalho. Esta foi feita e foram
constatadas várias irregularidades”, explica o procurador àRepórter Brasil.
Uma vez fl agradas
as violações, e como a rede de supermercados já havia se recusado a firmar
qualquer acordo extrajudicial, Correia decidiu entrar com a ação solicitando,
por meio de antecipação de tutela, que a empresa imediatamente cessasse de
realizar tais práticas irregulares. “Em razão das graves irregularidades, além
de pedir para que fosse regularizado tudo isso, solicitei à Justiça a
condenação, por danos morais coletivos, ao pagamento de R$ 400 mil”, esclarece
o procurador. Caso o Judiciário condene o Pão de Açúcar, esse valor será
revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
A inspeção à
unidade do Pão de Açúcar na Zona Sul de Ribeirão Preto, realizada pela Gerência
Regional do Trabalho e Emprego (GRTE) do município, teve como resultado 11
autos de infração. Foram encontrados jovens aprendizes em jornadas abusivas e
trabalhando em horários noturnos – depois das 22 horas. Além disso, os
auditores verifi caram que adolescentes estavam incluídos em banco de horas,
que controlava a realização de horas-extras e a concessão de folga
compensatória.
“Registre-se que a
situação ora autuada contraria o disposto no artigo 432, caput, da CLT
[Consolidação das Leis do Trabalho], que assim dispõe: ‘A duração do trabalho
do aprendiz não excederá de seis horas diárias, sendo vedadas a prorrogação e a
compensação de jornada’”, argumenta a ação ajuizada pelo procurador Henrique
Lima Correia.
Trabalho infantojuvenil
A
psicóloga Fabrícia Rodrigues Amorim Aride, estudiosa da questão do trabalho
adolescente, lamenta que o caso do Pão de Açúcar não seja isolado. Segundo ela,
há no Brasil uma cultura de valorização do labor de crianças e adolescentes
como um meio de afastá-los da ociosidade e da possível delinquência, e, quando
vinculado às tradições familiares de organização econômica, fazê-los aprender
um ofício e auxiliar na mão de obra familiar. “Em contrapartida, pode ocorrer a
exploração da mão de obra infanto-juvenil, legitimada pelo governo, que muitas
vezes é a única forma de sustento formal da família”, pondera.
De acordo com a
psicóloga, apesar de trazer um retorno imediato, o trabalho nessa idade pode
ter consequências de longo prazo. “Por exemplo, abandono escolar e diminuição
da interação social devido ao cansaço físico, afastamento de amigos que passam
a ver esse jovem de uma forma diferente (e ele também pode passar a se ver
dessa maneira) e, entre outras questões, inserção precoce nas angústias
características dos trabalhadores.”
Além disso, segundo
ela, a entrada dos jovens no mercado de trabalho geralmente não traz a
possibilidade de ascensão social, perpetuando, desse modo, a pobreza e a
desigualdade social. “Infelizmente, pode-se dizer que os jovens de baixa renda
sofrem mais impactos negativos do que os jovens de classes mais privilegiadas,
visto que aos segundos são dadas possibilidades de aprendizagens bem
diferenciadas, como por exemplo, cursos, intercâmbios, viagens, enquanto aos
primeiros, as atividades profi ssionalizantes que funcionam sob a égide ‘mente
vazia é ofi cina do Diabo’”, analisa Fabrícia.
Aprendizagem
De
acordo com a legislação brasileira, não é permitido empregar jovens de idade
inferior a 18 anos em trabalhos noturnos, perigosos ou insalubres. Adolescentes
de 16 anos ou menos não podem ser contratados para nenhum trabalho, salvo na
condição de aprendiz, permitida a partir dos 14 anos. Segundo o MTE, “aprendiz
é o empregado com um contrato de trabalho especial e com direitos trabalhistas
e previdenciários garantidos. Parte do seu tempo de trabalho é dedicada a um
curso de aprendizagem profissional e outra é dedicada a aprender e praticar no
local de trabalho aquilo que foi ensinado nesse curso”.
A aprendizagem foi
estabelecida oficialmente no Brasil pela Lei 10.097/ 2000 e regulamentada pelo
Decreto 5.598/2005. Lei e decreto determinam que qualquer empresa de médio e
grande porte é obrigada a contratar adolescentes e jovens entre 14 e 24 anos,
cujo contrato terá, no máximo, dois anos de duração.
Ao mesmo tempo,
estes devem ser matriculados em cursos de aprendizagem ministrados por
instituições qualifi cadoras reconhecidas, que serão as responsáveis pela
certifi cação – por exemplo, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(Senai), o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), escolas técnicas
e entidades sem fi ns lucrativos que tenha como objetivo a educação profi
ssional. A carga horária máxima é de seis horas diárias, podendo chegar a oito
caso estejam incluídos os períodos dedicados ao aprendizado teórico. “A
aprendizagem deve ter caráter mais pedagógico do que de trabalho. As funções
que os adolescentes estavam ocupando na loja do Pão de Açúcar de Ribeirão Preto
não eram condizentes com a aprendizagem”, explica o procurador do trabalho
responsável pela ação.
Para Fabrícia, a
regulamentação da aprendizagem pelo governo federal foi uma iniciativa
importante, que propiciou a legalização e o reconhecimento dos direitos dos
adolescentes, uma vez que, segundo ela, o trabalho é uma atividade estruturante
da vida e tem importância fundamental na construção da identidade do jovem. “Entretanto,
não há uma lei que defi na o que de fato seja o trabalho educativo e imponha
limites a ele. Observamos, por exemplo, jovens universitários trabalhando em
organizações sem ligação nenhuma com sua futura formação profi ssional, e
acobertando um problema ainda mais amplo: a ausência de contratações efetivas
pelas instituições. Portanto, essa é uma questão que não se restringe apenas
aos jovens do programa”, alerta.
Pão
de Açúcar
De acordo com sua própria página na
internet, o Grupo Pão de Açúcar – empresa do Grupo Casino, de origem francesa –
é um dos líderes mundiais no varejo de alimentos. É a maior companhia da
América Latina no setor, com quase 2 mil pontos de venda e mais de 155 mil
funcionários. Controla ainda estabelecimentos como Extra, Casas Bahia e Ponto
Frio. Em 2012, registrou lucro recorde: R$ 1,1 bilhão, crescimento de 60,7% em
relação ao ano anterior. Em 2013, os primeiros nove meses já renderam R$ 709
milhões, alta de 14,8% em comparação ao mesmo período do ano passado.
No tópico “Missão,
visão e pilares” de seu site, o grupo chama seus trabalhadores de
“nossa gente”, que são, de acordo com o site, “profi ssionais com
excelência técnica, bem preparados e motivados para assumir desafi os, riscos e
atitudes inovadoras. Pessoas que gostem de servir, que valorizem o respeito em
suas relações internas com o cliente, fornecedores e parceiros”. Entre os princípios
da empresa, fi guram, entre outros, a garantia de que “nossa gente é gente que
faz a diferença” e o compromisso “com o crescimento de uma sociedade justa,
humana e saudável”. Sobre o Instituto Pão de Açúcar, voltado à responsabilidade
social, o GPA diz que “acredita e sempre trabalhou com foco no potencial
humano, acreditando que, quando estimulada, sua força latente se revela e dá
novos sentidos a vida”.
Já
a unidade Fiúsa, de Ribeirão Preto, foi inaugurada em novembro de 2009. De
acordo com informações da imprensa da época, foi a segunda do grupo na cidade e
o primeiro “supermercado Verde” local: foram investidos R$ 11 milhões para que
todas as etapas da implementação da loja fossem concebidas sob critérios de
responsabilidade socioambiental, segundo a empresa.
Postado por:
Domingos Braga Mota